EVA
Como eu gostava
de me deixar tentar
por ti – agora -,
pelo fruto
que sempre me disseram proibido,
de perdição,
de condenação às profundezas,
de um inferno horrendo,
de labaredas dançantes
de brilhos projectados em paredes,
de pedra negra,
consumindo-me sem arder.
De…,
se…
Como eu queria sentir esse fogo
na minha pele
e deixar-me levar
penetrando(-te) na caverna húmida,
sem receios
de ameaças,
de pecados,
de penitências,
de juízos – intermédios ou finais -,
de belzebus horrendos,
de eternidades sofredoras,
disfrutando apenas, sem depois.
De…,
se…
Mas senhor, se são só romãs
o que me tenta…
Romãs-peito que despontam
do tronco arfante
e espreitam como se entre folhagens
nascessem do verde estampado
do decote de um vestido.
E então fotografas ou não?
Descodifico lento os sons
da tua voz acentuada de humor
e regresso.
Desvio o olhar:
espreito pelo óculo da máquina
e disparo finalmente
focando-me naquela coroa
que me lembra os bicos do teu peito
- perfeitos da cor rosada da romã.
Fausto Marsol
As portas que Abril…
As portas que Abril abriu,
cantava o poeta Ary dos Santos
- que nos valham.
Que portas?!
Abril?!
Abriu?!
As portas que Abril abriu
por onde arrivistas, flibusteiros,
políticos de pacotilha e
outra fauna de animais socio-exóticos entrou?
Sinto as águas infestadas
de sanguessugas humanas,
de maledicentes,
de reivindicativos oportunistas,
de pedintes encartadosde gentalha de dedo apontadoao outro.
E de mão estendida – sempre.
E as portas que Abril não abriu?
Que portas Abril não abriu?!
Ora,
as portas da sabedoria sábia a rodos,
da justiça justa farta,
do desenvolvimento uniformemente distribuído,
da criação equilibrada de riqueza,
da saúde sã acessível.
E as portas à gente que não cresceu,
à gente que chapinha em águas de liberdade –sem perceber que o diluvio espreita
carregado de lama, qual enxurrada.
As portas que Abril não abriu!
Sei,
sei como...
Sei que te sentes confinado a um espaço, cada vez mais claustrofóbico.
Sei que temes, que é medo o teu sentimento de fundo,
um receio que vais contendo nos limites das paredes que te foram impostas,
calando explosões emotivas.
Sei da tua quase revolta, da tua incompreensão:
como pode um não-ser, algo sem vida própria sequer, invisível ao nosso olhar,
ameaçar-nos tanto?
Espalhar-se tanto, por tanto mundo, por tanta gente!
Sei como a janela ansiosa espera a tua espreitadela furtiva da manhã
de cada dia em que te sabes sem sinais da maleita.
Sei como te surpreendes com o canto dos pássaros antes abafado
pelos ruídos do afã das gentes.
Sei como o vazio triste das ruas te dói, te tolhe.
Sei como as notícias te ameaçam como se pudesses ser tu a vítima - próxima.
E quiçá mais ainda se entre os idos e os contaminados reconheces nomes, identidades,
gente a quem queres ou de quem apenas reténs já memória.
Sei!
Sei como medes a esperançosa temperatura, como tremes ao mínimo tossir,
como vês e revês os sintomas - para que assim melhor os possas descartar.
Sei como te esforças por criar novas rotinas,
como pegas em coisas antes votadas ao abandono do tempo.
Sei como entre os teus esquecimentos não consta a ingratidão de ignorar
aqueles que te permitem ir vivendo;
ou aqueloutros com quem remotamente contas - se… - para te manterem com vida.
Sei como os amigos te são importantes, como com eles comunicas
- como há muito não fazias.
Sei como entendes melhor agora o ser solidário, o valor da entreajuda,
a segurança da mão que te está próxima,
ali - mesmo estando longe - à mercê da tua necessidade.
Sei como na escuridão fazes balanços, quiçá experimentes arrependimentos,
ensaies juras de não-fazer, promessas-de-empreendimentos – novos.
Sei como te esforças por continuar a sorrir à criança que divisas ao longe,
alegre na sua ingenuidade.
E como uma flor te arranca ainda resquícios de felicidade.
Sei!
Sei que acreditas, que queres, que da vontade te alimentas.
Sei – também – que o sol continua a nascer todos os dias
e que brilha agora numa atmosfera mais límpida e sã.
Sei que a Primavera ainda há pouco começou, com o seu tempo de renascer:
por isso continuo a sorrir
e a dar sonoras gargalhadas-de-vida(s).
E sei, ainda, que amanhã – um amanhã próximo – nos voltaremos a encontrar
dando o melhor que tivermos para dar.
Sei-o. E quero o sintas também.
Lisboa, 08.04.20
Fausto Marsol